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Sai do aluguel… para o condomínio!

Quando me mudei para São Paulo não imaginei que criaria uma relação intensa com uma luta: moradia popular.

Não, veja bem, aconteceu com uma pulga atrás da orelha, infelizmente quando me morde eu não consigo não coçar. Já me mudei quatorze vezes, conheço os problemas do aluguel, de morar em condomínio, casas e vilas, portanto pensei “nada mais me abala”, mas São Paulo abalou e não como imaginei que seria. Para começar, eu e mamãe viemos visitar um apartamento no coração de São Paulo, somos aventureiras e nada nos perturba, nunca havíamos pisado nessa área da cidade, a qual conheci na internet e, apaixonadas por um apartamento, nos mudamos na segunda vez que o visitamos — a primeira foi para conhecer o bairro, o comércio e a condução, nada surpreendente considerando que já mudamos de cidade sem visitar o apartamento antes simplesmente pelo valor acessível e por termos conhecidos perto.

Primeira visita ao apartamento era plena pandemia e, para nossa sorte, o condomínio era maravilhoso, seguro, de boa localização, preservado ainda que bem antigo e… com um carrinho de supermercado com doações para os moradores que perderam seus empregos. Um gesto gentil, mas que me intrigou ainda mais considerando o alto padrão do local, de fato, ninguém está à salvo das puxadas de tapete do sistema capitalista e esse foi o foreshadowing do que descobriria nos anos seguintes.

Em São Paulo, nem sempre o rico é rico: pode ter herdado um apartamento do seus avós que, hoje em dia, mal é capaz de manter; pode morar bem com seus pais, ainda sendo chamado de infantil por não sair de casa*, mas é exatamente por três salários que conseguem mantê-la como antes era por uma só pessoa. Há uma classe média que não é bem classe média, ela é ex-rica: ainda tem carros, ainda mora em lugares invejáveis, mas passa por um perrengue para continuar assim com a memória do que um dia foi — e o medo na calçada do que um dia pode ser, mas que transforma esse medo em ódio.

Quando estávamos procurando apartamento, uma conhecida da minha mãe disse para irmos nos leilões da caixa, pois ela comprou um abaixo do preço de mercado desse modo. Era um leilão de imóveis com financiamento em aberto, ou seja, de pessoas que não puderam arcar com as parcelas e estavam sofrendo despejo. Minha mãe achou desumano se aproveitar da desgraça alheia para lucrar, principalmente pela quantidade de pessoas que compravam aos montes para alugar e, reitero, em plena pandemia, então nunca fomos a leilão nenhum e continuamos nossa busca.

Pouco antes de nos mudarmos, comecei a frequentar uma ocupação na minha antiga cidade que, por sinal, está sendo diretamente afetada por deslizamentos e enchentes. No geral, os sobreviventes acabam nas ruas com promessas vazias de moradia, nascendo, em contrapartida, ocupações reivindicando seu direito. Veja bem, por que alguém que está negociando um apartamento, preocupada com papeladas e documentos, estaria interessada em ocupações? Porque, em quatorze mudanças, entre cidades e estados, eu nunca tinha visto tantas pessoas não vendendo casas, não fechando negócio, mas abrindo mão de seus lares; eu nunca tinha me deparado, nesse processo, com tanta dor.

Era comum, quando morei em cidades mais interioranas e em casas térreas, se entender como parte da terra, mas acredito que esquecemos que também somos parte dela vivendo nos ares. O tijolo também é terra, fazemos parte das paredes que crescemos; somos todos fruto do mesmo barro. Acredito que, com as atuais condições climáticas e políticas, esse fato se tornou incontestável e cada vez mais evidente.

Lembro de um comercial da Telesena que passava na minha infância, o prêmio do “Sonho da Casa Própria”, assim como, é claro, os programas do governo como o “Minha Casa, Minha Vida”. No caso da minha família, nos mudávamos porque não fincávamos raízes em nenhum lugar, mas pela primeira vez em anos iríamos e o cenário era estarrecedor: caso consiga sair do aluguel, paga o financiamento; caso não consiga continuar pagando o financiamento, perde seu lar para o banco; caso consiga quitá-lo, paga o condomínio; caso não consiga pagar o condomínio, perde o imóvel para o próprio condomínio. O porém de não conseguir arcar com o aluguel é a rua, o medo constante de inquilinos é esse, mas desde quando as chances de acontecer o mesmo com um imóvel próprio se tornaram tão altas?

Claro, um condomínio tem despesas, é preciso manter as dependências limpas, a segurança, o gerador (Enel, né), a conservação do edifício e afins, mas os preços conseguem ser exorbitantes ainda em prédios com pouca manutenção e funcionários. O m2, a localização, a valorização do bairro… Essa brincadeira de cão e gato que criaram acerca da Cracolândia transformou o m2 em uma montanha-russa: você nunca sabe quanto estará no dia seguinte, a quantidade de pessoas na rua ditará se a sua área valorizou ou não, e caso valorize, a segurança irá aumentar — e o seu condomínio também.

O que a Cracolândia tem a ver com o preço dos imóveis de São Paulo? Quando me mudei, me surpreendi por ter conseguido o imóvel por um preço bem abaixo do mercado. Era evidente a quantidade de pessoas em situação de rua e usuários, seringas e recipientes de cocaína se espalhavam pelo chão como folhas caídas das árvores, mas, ainda assim, era vantajoso morar nessa área. Nos últimos dois anos, a quantidade de pessoas em situação de rua diminuiu na minha vizinhança, pensei que estavam em tratamento, lidaram com a situação, mas quando desci do meu ônibus em outra área da cidade me deparei com a mesma situação e, ironicamente, com rostos que reconhecidos da calçada do meu prédio.

Em todos os lugares, inclusive em outras cidades ao redor de São Paulo, como no ABC, escuto pessoas buscando novos imóveis, pois estão pagando dois aluguéis: o próprio e o condomínio. Para quem tem imóvel próprio, estão colocando a venda exatamente porque se sentem pagando um aluguel, mas não conseguem vender pela mesma razão, ninguém quer comprar um imóvel para pagar aluguel. Comprar imóveis na planta se tornou um pesadelo, as reclamações acerca da infraestrutura fraca, rachaduras e infiltrações em edifícios novos com cerca de apenas cinco, seis anos são comuns. Isso, quando não, demoram mais do que o esperado para serem entregues.
Uma das minhas maiores preocupações ao escolher um imóvel foi a infraestrutura, eu não queria um brinquedinho do mercado imobiliário que quebraria com pouco tempo de uso (moradia não é como um eletrônico sofrendo de obsolescência programada, com data de validade), tampouco, principalmente, um imóvel não projetado pensando na privacidade dos moradores; essa questão precisa ser intrínseca do projeto, não só é preciso ter privacidade entre os moradores do próprio imóvel, mas do próprio edifício. Há prédios impossíveis de manter o mínimo de convivência com vizinhos sem saber de suas vidas pessoais e vice-versa: é preciso falar baixo, torcer para não terem hábitos noturnos e, em alguns casos, escuta-se até momentos íntimos e necessidades fisiológicas. O problema é tão profundo que envolve, até mesmo, abuso sexual de menores: quando uma família divide o mesmo cômodo é comum, infelizmente, crianças serem expostas a relações sexuais de seus genitores; a relação ser consumada na frente de um menor configura abuso sexual, por isso quartos separados e paredes grossas, à prova de som, são uma questão de dignidade humana. Além disso, também há a discussão acerca do quartinho de empregada, tão inerente de projetos antigos, mas que perpetua racismo e ideologia escravista, normalizando péssimas condições de trabalho.

O sonho de sair do aluguel se tornou o sonho de adentrar o condomínio que, em via de regra, é um aluguel. Escuto muito, “mas é só morar em casa”, mas casas em São Paulo estão sendo destruídas não só em áreas centrais, mas em comunidades de baixa renda com potencial de mercado. Se as construtoras decidirem que a sua área é rentável ela não é mais um bairro e sim um terreno, não importa quem está nele. Quando não, até conjuntos habitacionais e vilas estão funcionando como um condomínio — e, tudo isso, em nome da “segurança”.

Por lei, um condomínio não é uma empresa, apesar de ter CNPJ, mas eu me sinto em uma. Eu me sinto em uma empresa quando entro no elevador e há propaganda nas telas, eu me sinto em uma empresa quando nos bombardeiam acerca de qual micro market é melhor para o condomínio (há mercados e padarias na própria calçada, abertos até dez horas da noite ou vinte e quatro horas, assim como farmácias, que também englobam o mercado de condomínio. Por que tamanha expansão comercial dentro dos locais de moradia, ainda que não seja necessário?), eu me sinto em uma empresa até mesmo pelos funcionários não tomarem o mesmo elevador que eu, o que é, para mim, como o quartinho de empregada. Os funcionários só são permitidos usar o elevador de serviço, o mesmo usado para colocar o lixo para fora, trazer compras e sair com animais domésticos; é como perpetuar uma segunda categoria de pessoas.

“Segurança pública” é sempre entre aspas, principalmente porque a insegurança pública é, como pudemos perceber, um produto forjado para vender a solução. Ao conversar com vizinhos conservadores (para não dizer eugenistas, considerando que a solução apresentada por eles com uma naturalidade assustadora é dizimar a população de rua como se fossem baratas), eu uso o manto da “segurança pública” para falar de moradia popular. A solução precisa beneficiar o ouvinte, precisa ser egoísta, portanto, e não é uma mentira, ocupar os edifícios abandonados é um meio de tornar o bairro mais seguro. Há uma diferença descomunal quando quem mora na calçada se torna seu vizinho, não é uma simples mudança de casa, mas de status social (perceba: a pessoa em situação de rua pode morar na sua calçada, vê-los todos os dias, mas não são considerados vizinhos. Um vizinho escuta um “bom dia”, recebe e retribui um “boa noite”, ser visto é um sinal de posição social), deixa de ser um invisível e se torna, novamente ou pela primeira vez, um ser humano. Claro, eu sou hipócrita ao dizer isso, tenho plena consciência disso. Eu não costumo conversar ou cumprimentar os vizinhos da calçada, dado o contexto da situação, mas uma vez estava no ponto de ônibus quando um morador, com lágrimas nos olhos, me deu bom dia, eu respondi, me afastando para perto do comércio e do Sr. Milton, segurança do prédio, então o senhor segurou meu braço e disse: “eu estou morto.” Eu entendi o que ele quis dizer, ser invisível é estar morto. Sr. Milton apareceu no mesmo momento, me alertou que não poderia ser ingênua e conversar com os moradores, sequer respondê-los, como um que todas as manhãs está de óculos lendo livros enrolado em sacolas plásticas, mas eu estava paralisada. O olhar daquele senhor, que muito se parecia com um avô ou um pai, cabelos grisalhos e corpo robusto, ele estava lúcido quando me disse aquilo. Poderia não estar, mas eu percebi que estava. Ele me lembrou algo que eu queria esquecer.

O que guardei no bolso ao me mudar foram os ensinamentos que recebi até então, eles não faziam sentido aqui. Eu não me considero cristã, mas tive uma criação católica. Mamãe sempre me disse para fazer doações, pois o que importa é a sua bondade e não o que irão fazer com o dinheiro, mas isso é fácil de se dizer quando moramos em uma cidade pequena onde os moradores de rua são conhecidos por nome, apesar de normalmente ser um apelido. Em São Paulo, eu chorei a primeira vez que voltei do mercado, eram pedintes demais, crianças demais. Isso não se trata do quão bondosa eu sou e como a minha moral é maravilhosa, e sim sobre como precisamos adaptar o que aprendemos a vida inteira para as realidades que somos expostos, caso contrário, o que vivemos até o momento perde a razão. Eu cresci no interior de Pernambuco, uma cidadezinha de 20-30k habitantes, como o lugar que eu mais encontrei pobreza foi na cidade mais rica do Brasil? Escuto muito por aqui que para ver pobreza precisam ir para o Nordeste, para países africanos, enxergam a pobreza em qualquer lugar, menos aqui. Certa vez, escutei emocionalmente como descobriram a pobreza na Paraíba ou Bahia porque em São Paulo os pobres tem celular e pedem esmola via pix. No colégio de freira o qual estudei, o morador de rua da cidade buscava seu almoço todos os dias, aqui consideram multar a doação de alimento e o Padre Júlio Lancellotti sofre ameaças.

Nessa mesma época, me convidaram para a festa de comemoração de uma ocupação. Tocava Opinião na voz do Zé Kéti animadamente quando cheguei, as crianças brincavam no pula-pula e em um mini castelinho inflável. Cumprimentei meus conhecidos e me sentei as observando, em meio a diversão e aos salgadinhos, elas se desentenderam; uma das meninas se afastou e foi sentar sozinha, magoada, me lembrando quantas vezes eu não me peguei nessa mesma situação na idade deles, pouco depois, eles se resolveram e voltaram a brincar. Problemas comuns de criança, elas na fase de socialização aprendendo a se imporem, se expressarem, aprendendo a ser. Parece algo comum, não é? Mas essas crianças estariam nas ruas sem a ocupação, o comum, o normal é difícil de ser conquistado.

Em uma rua próxima a minha casa os comércios começaram a fechar, o ponto de ônibus era perigoso de esperar sozinha e, logo, começaram a ameaçar até mesmo encerrar a parada devido a diminuição de passageiros, todavia, uma tímida ocupação começou. De início, foi recebida com desconfiança e mal se viam os moradores, mas após se estabilizarem uma curiosa mudança aconteceu, um pipoqueiro passou a ficar na frente da ocupação para a felicidade das crianças ao voltarem da escolinha, o número de transeuntes aumentou e, surpreendentemente, o comércio reabriu, inclusive um no mesmo edifício da ocupação. Iluminação, comércio e grande movimento de pessoas melhora um bairro, ademais, como as crianças iriam conseguir ser matriculadas nas escolas e as pessoas adentrar o mercado de trabalho sem endereço?

Após a pandemia, o perfil de moradores de rua sofreu uma alteração: antes, a maioria eram homens solteiros; agora, são famílias inteiras. Morador de rua se tornar um vizinho desvaloriza o bairro, diminui o preço dos imóveis e não só, coloca pessoas de segunda categoria na mesma posição que a de todo mundo. Não são só os preços do imóveis que incomodam, o preço das pessoas também; a valorização de uma população afeta o valor de mercado da outra — ao menos, é o que acham e o que temem.

Escuto muito ao conversar sobre moradia popular, “mas só tem bandido”, então me pergunto se, dada essa lógica, os condomínios são isentos de pessoas com desvios de caráter; caso fosse, não existiriam leis para furto nesses lugares. Ninguém traça perfil psicológico e criminal de moradores no condomínio, o único necessário é pagar. A lógica é: se alguém tem dinheiro não irá me roubar, pois pode comprar, enquanto quem não pode comprar irá me roubar. É como se chamasse todos os pobres de ladrões, portanto, a única diferença entre um morador de condomínio e um morador de ocupação é quem pode pagar e quem não.

Não é incomum saber que vizinhos usam cocaína, ketamina, LSD, mas ninguém é “cracudo”, só é se dormir na calçada. No dia que a K9 se tornar “key nine”, o status dela irá mudar. Você consegue puxar a personalidade das pessoas pelo que mais gostam de usar e em quais ocasiões, e no dia que o crack se tornar interessante será mais um deles. O problema não é usar, nunca foi, o problema é onde e por quem. Eu nunca imaginei ver pessoas que fazem uso recreativo e, paralelamente, querem a polícia cuidando dos “cracudos”, pois o centro está perigoso demais, e houve essa diferença sutil entre eles até o período no qual se popularizou a internação compulsória. Foi por volta de 2022-2023, as denúncias de internação involuntária estavam nas alturas na região da Cracolândia (vulgo região central, até esse título é um produto), e, também, em outros lugares, como alguns que pensavam erroneamente que nada os atingiria.

Assim perceberam que a calçada pode sim ser a sua casa e a situação do centro não é tão engraçada — e distante, diga-se de passagem— quanto imaginavam. Pimenta nos olhos dos outros é refresco, mesmo quando se trata do spray. Espero que, diferente desse exemplo, não seja necessário chegar a tanto para enxergarem onde mora — ou não — o problema.


*Morar sozinho ser uma etapa de amadurecimento me soa estranho, cresci no interior com famílias em casas enormes divididas por avós, filhos e netos, tio-avós ou avós, filhas divorciadas, irmãs solteiras e sobrinhos, portanto, pais encararem os filhos como crianças ao invés de adultos, ainda que embaixo do mesmo teto ou talvez exatamente por essa razão, não me é comum. Entendo ir embora por razões pessoais, mas ir apenas para ser considerado adulto, não. Parece uma externalidade do processo interno de amadurecimento, os pais, inclusive, devem amadurecer junto com os filhos ao abandonar o tratamento infantil dado a eles.



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